Sinto uma grande saudade das cartas escritas à mão. Minha
caligrafia tantas vezes treinada e aperfeiçoada, resume-se agora num dedilhar.
Não mais o nervosismo visível nas linhas trêmulas, traçadas com a emoção do
momento. Não mais o cheiro, o perfume das mãos. Acompanho as modernidades e
faço uso de todas, mas não me incomodaria de perder algum tempo com coisas que
deveriam ser imutáveis.
Em meio à calmaria chega o vendaval disfarçado de suave brisa, soprando no que antes era impecavelmente arrumado, fazendo sentir uma tépida temperatura, um sinal de tempestade, onde só se sentia os úmidos e previsíveis ventos. O assombro é engodo ao que sente e ao que sopra, o temporal morno e devastador já era aguardado, a calmaria, uma explosiva possibilidade.
Não existe algo que me dê maior sensação de liberdade do que o mar. E ainda, uma liberdade melancólica, uma tristeza desmedida e sem motivo aparente. Penso que essa sensação esteja no inconsciente, numa época de antepassados, patrícios. A nostalgia de um povo habituado à saudade, que sempre olhava o mar com os olhos marejados, tanto fazia se era o que ficava ou o que ia. Gosto dessa sensação. A maresia nos cabelos e na língua dá-me o ímpeto de seguir para o horizonte.
"O homem
gostaria de ser peixe ou pássaro,
a serpente gostaria de ter asas, o cão é um leão confuso (...)
Mas o gato quer ser somente gato,
e todo gato é um puro gato desde o bigode ao rabo"